Sinopse:
"Existe algo mais forte do que a morte: a lembrança dos ausentes na memória dos vivos." Violette Toussaint sabe bem disso. Zeladora de um cemitério em um vilarejo da Borgonha, ela é testemunha dos visitantes que mantêm vivas as histórias de seus entes queridos. Em sua casinha simples e aconchegante onde tudo tem aroma de rosa - as velas, os perfumes, os lençóis -, ela recebe os frequentadores, os conforta e ouve suas confidências, entre xícaras de chá ou taças de vinho. Aos quase cinquenta anos, Violette transparece distinção e harmonia, veste-se com sobriedade e divide seu tempo entre os cuidados com os "vizinhos" (os mortos) e com suas plantas e sua horta, de onde vem boa parte dos ingredientes para os almoços que compartilha com os coveiros do cemitério e o padre da cidade. Contudo, por baixo do sobretudo cinza de inverno, Violette usa suaves vestidos de verão; por trás da aparente leveza, ela oculta fantasmas sombrios, dores e perdas brutais. As ambiguidades e segredos da zeladora começam a vir à tona quando o policial Julien Seul bate à sua porta atrás de respostas: ele deseja descobrir por que sua falecida mãe queria que suas cinzas fossem jogadas sobre o túmulo de um desconhecido enterrado naquele cemitério. A partir daí, somos apresentados a fragmentos das histórias de personagens que se cruzam e se afetam, numa intrincada trama de acasos e coincidências. À medida que avança em sua investigação pessoal, Julien acaba confrontando Violette com seu passado, ao mesmo tempo que acena com uma possibilidade de futuro. Em seu segundo livro - primeiro publicado no Brasil -, Valérie Perrin constrói com muita habilidade um quebra-cabeças com dezenas de histórias marcadas pela morte, pela dor, mas, sobretudo, pela superação e pela fé inabalável no amor. Através de sua relação com a terra, a protagonista consegue renascer e encontrar um propósito. Assim como suas plantas sobrevivem ao inverno e aos pulgões, Violette enfrenta seus percalços, combate suas ervas daninhas e floresce anos após ano. Como na vida, Água Fresca para as flores mistura tragédia e comédia, suspense e romance, crueldade e beleza. Ele nos convida a olhar o mundo sob uma perspectiva mais ampla, nos lembrando das muitas vidas que cada um de nós pode ter.
Recebi esse livro no clube da Editora Intrínseca, o Intrínsecos. Bati o olho no marcador que vem no kit, vi uma frase em destaque e soube que precisava ler.
Por que nos sentimos atraídos por livros como nos sentimos por pessoas? Por que nos sentimos atraídos por capas como por um olhar, uma voz que parece familiar, conhecida, uma voz que nos faz desviar do caminho, nos faz erguer os olhos, que pode mudar o curso da nossa existência? (Página 79)
É a história de uma zeladora de cemitério. Enquanto conhecemos personagens que surgem em sua vida através do emprego, também descobrimos como ela acabou ali. Como alguém escolhe um trabalho desses? Abrir e fechar um cemitério, passar as noites sozinha em um local que exala a morte?
Me surpreendi com a escrita leve, mesmo em um enredo carregado de dor.
Escolhi falar desse livro hoje, pois é aniversário da morte do meu pai e me ajudou a passar essa data de uma forma diferente esse ano. Ver meu velho lutando contra o câncer, se apegando em qualquer possibilidade de vida, mas sendo arrastado para longe de mim, me fez querer viver tudo por ele. Só que a saudade e impotência em algum momento resgatam a dor, o luto e, no meu caso, a depressão. Essa história foi exatamente o que o título diz, um refresco no que ainda está vivo, para que eu não esqueça de florescer.
Destaquei tantos trechos durante a leitura e alguns foram marcantes demais para não deixar aqui. Deixo eles abaixo e encerro essa resenha avisando que há gatilhos para quem é sensível sobre o luto, mas que se você conseguir ler, vai mudar o foco da sua dor. A leitura me ajudou a canalisar a dor na ânsia pela vida.
Adoro rir da morte, ridicularizá-la. É o meu jeito de acabar com ela. Assim ela fica menos importante. Ao brincar com a morte, deixo a vida assumir o controle, assumir o poder. (Página 56)
Você não está mais onde estava, mas está em todos os lugares em que estou. (Página 205)
Olhe como o dia está bonito hoje. Todos os dias, eu fico inebriada com a beleza do mundo. Claro, sei que existe a morte, a tristeza, o tempo ruim, o Dia de Finados, mas a vida sempre vence. Sempre existe uma manhã em que a luz está bonita, em que a grama cresce nos terrenos queimados. (Página 306)
Acho que você tem que esquecer, Violette. Acho que tem que continuar a vida e não tentar mais saber como, por que nem quem. O passado não é tão fértil quanto a merda que coloco na terra. Ele se parece mais com cal. O veneno que queima os brotos. É, Violette, o passado é o veneno do presente. Remoê-lo é morrer um pouco. (Página 363)
(…) a hera está sufocando as árvores. Nunca se esqueça de podar. Nunca. Assim que seus pensamentos começarem a apontar para a escuridão, pegue a tesoura e pode toda essa desgraça. (Página 431)
Para quem não faz parte do clube, em breve o livro estará a venda. 😉