Sinopse:
'Diários de Raqqa' conta a história real de Samer – pseudônimo do autor –, hoje jurado de morte pelo Estado Islâmico por ter feito este diário chegar até as mãos de milhares de leitores ao redor do mundo. Aos vinte anos, Samer – um jovem universitário apaixonado, com uma família unida e muitos amigos – está comemorando seu primeiro emprego. A vida não poderia ser mais luminosa – até o dia em que o Estado Islâmico toma a cidade onde ele vive. Impotente diante da violência e das restrições que lhe tiram a liberdade e ceifam várias das pessoas que Samer mais ama, ele começa a preencher as páginas de um diário com tudo que vê e sente. Seu relato sincero e contundente – que o jovem consegue enviar em trechos para um repórter da BBC, através de uma conexão clandestina de internet – é um documento indispensável para que o mundo entenda, de uma vez por todas, os perigos do extremismo.
Resenha:
Esta é uma das leituras mais difíceis que fiz.
É um livro pequeno, de leitura relativamente rápida, porém o tema abordado aqui traz uma carga emocional muito forte.
“Diários de Raqqa” é o relato de um jovem que conviveu com os abusos e a extrema violência causados pelo grupo terrorista Estado Islâmico em sua cidade.
Raqqa é uma cidade situada no centro-norte da Síria.
Em Março de 2013, Raqqa foi invadida e tomada pelo Estado Islâmico – também denominado Daesh – retirando da cidade os proclamados rebeldes que lutaram contra o regime do ditador Bashar Al Assad. Raqqa passou a ser considerada capital do grupo terrorista.
“Sou apenas um dos muitos que continuam a sofrer nas mãos do regime sírio e de sua cria, o Daesh.” (Pág. 15)
Samer – pseudônimo do autor dos diários e estudante na época – foi ativista nos protestos contra o governo de Assad e agora via sua cidade diante de uma situação nova, porém muito pior.
“As coisas aqui ficam cada vez piores, cada vez mais sombrias. É o pior período da história de Raqqa. O otimismo morreu.” (Pág. 22)
As leis impostas pelos membros do Estado Islâmico eram extremamente absurdas e as punições para seu descumprimento variavam entre prisão, tortura e execução. As execuções geralmente eram feitas em praça pública e a população era obrigada a assistir, sob pena de sofrer severas represálias caso esboçasse alguma reação de revolta ou oposição.
Além disso, utilizavam a religião para “justificar” as atrocidades cometidas.
“Sou dominado pela desesperança. Simplesmente não vejo luz nenhuma no fim de toda essa treva. Sei que tenho de lutar contra esse terrível desespero em que me encontro, mas sinto dificuldade de prestar atenção no que quer que seja.” (Pág. 77)
A coisa ficou ainda pior quando a cidade começou a sofrer ataques aéreos de inimigos do Daesh.
“Já não basta o terrorismo que sofremos em terra? Agora vocês também o trazem pelos ares.
(…) O constante zumbido das aeronaves sobre nossas cabeças destrói todo o nosso ânimo. Tudo é sangue e morte, exceto o regime.” (Pág. 28)
Samer viu seu próprio pai morrer vítima de um desses ataques.
“Fui tomado por uma sensação de absoluta solidão e desabei no chão. Eu havia perdido meu mentor, meu guia na vida, o homem que sempre tinha resposta para tudo. Aquele foi um dos momentos mais sombrios da minha vida.” (Pág. 30)
O jovem estudante e seus conterrâneos viveram anos de grande terror; alguns de seus amigos ativistas foram perseguidos e executados, tornando-se ele mesmo alvo do Daesh; crianças eram ensinadas e obrigadas a atuarem junto aos extremistas; civis inocentes eram constantemente humilhados e acusados de cometerem delitos absurdos e submetidos às diversas formas de punição.
Diante do medo e da depressão crescentes, o jovem decidiu que o mundo precisava saber o que realmente seu povo vinha sofrendo.
Escrever sobre a situação em Raqqa, além de ser uma forma de desabafo, foi a maneira que Samer encontrou para chamar a atenção de outros países e, de certa forma, pedir socorro.
Através de um contato clandestino, seus escritos foram enviados ao repórter de um renomado jornal e se tornou peça fundamental para que pessoas no mundo inteiro conhecessem a verdadeira face do extremismo.
A gente vê nos telejornais, revistas e internet notícias sobre o fanatismo desses grupos que levam terror por onde passam. Entretanto, é muito diferente quando se lê o relato de alguém que viveu e sobreviveu a tudo isso. A coisa toda se torna muito mais real para quem é de fora.
Os escritos de Samer são muito francos e carregados de medo, revolta, impotência e tristeza, essa última especialmente quando fala sobre sua mãe e irmãos.
A população de Raqqa sofreu com a guerra durante anos. Milhares de pessoas foram mortas desde 2013. A cidade foi quase totalmente destruída.
Embora “Diários de Raqqa” tenha representado para mim uma leitura difícil, ela é muito necessária. Nos tira um pouco do escuro e mostra algo que, muitas vezes, não damos importância por tratar-se da realidade de outro povo. Como diria minha irmã, é “um verdadeiro tapa na cara” em nossa ignorância.
Gostaria de deixar registrado que a Editora Globo Livros caprichou na publicação. As ilustrações feitas pelo artista Scott Coello – como vocês puderam observar nas fotos – trouxeram uma intensidade maior à leitura.
Espero, de verdade, que vocês tenham a oportunidade de ler.
Beijos e até a próxima!