Rumo ao Sul: Southernmost

Silas House

Editora: Faro Editorial

Páginas: 272

Ano: 2019

Sinopse:

E se você descobrisse que viveu muito tempo sob perspectivas equivocadas? E que foi cruel com uma das pessoas que mais amava no mundo? Essa é a jornada... Ao sul dos Estados Unidos, numa pequena cidade do Tennessee, o pastor Asher Sharp tem de encarar o seu próprio passado após uma das mais violentas enchentes que aquelas terras já enfrentaram. Então um casal gay pede abrigo ao pastor após ajuda-lo no socorro a outras pessoas, mas perderam tudo na inundação. Asher se vê diante de um dilema, quer abrigar os dois homens mas encara a recusa de sua esposa. Um fato que vai trazer à tona histórias enterradas de sua própria vida, da rejeição ao seu irmão, que era também seu melhor amigo. Algo que o faz questionar todos os valores daquela comunidade e tomar atitudes de ruptura, que desencadeiam uma série de outros eventos. Decidido a encontrar o irmão de quem ele se afastou e nem sabe o paradeiro, desejando salvar o filho de um ambiente asfixiante, ele parte numa viagem rumo ao sul. Um percurso em que toda a sua história é passada à limpo, em meio a belas paisagens, novas amizades e descobrindo um mundo imenso, muito diferente do seu, algo que pôde ensiná-lo sobre as coisas mais profundas da vida.

Às vezes a vida leva o caminho mais longo e tortuoso para passar suas lições. Não que isso signifique que todas as pessoas vão entender, receber a mensagem completa ou, quem sabe, conseguir interpretá-la. É provável que tudo dependa do quanto você irá conseguir abrir seus olhos para aqueles que estão ao seu redor e para si mesmo.

Asher está passando exatamente por esse caminho tortuoso. Depois de ver um rio de lama soterrar quase tudo na pequena cidade do Tennessee onde ele é pastor há anos, ele se vê diante de uma encruzilhada: sua vida e suas crenças não são mais as mesmas. E isso inclui sua posição diante do repúdio que um casal homossexual sofre na cidade e de sua esposa.

Apesar de ainda não saber ao certo o motivo de toda a mudança que sente, não há duvidas de que seu passado tem parte nisso, em especial, com seu irmão Luke. De uma só vez, tudo ao redor de Asher começa a desmoronar junto da lama que ainda cobre a cidade: o casamento, a família, a comunidade, o emprego, a religião. Fragmentam-se como se ele fosse um estranho, alguém em quem não se pode mais confiar.

É neste momento que ele parte, junto de seu filho, rumo ao sul. O trajeto é tão barulhento como silencioso, mas a verdadeira jornada de pai e filho se dá na calmaria da cidade de Key West. À beira-mar, numa pousada acolhedora chamada Canção para uma Gaivota, ele encontra duas almas parecidas à sua, ainda que, à primeira vista, possam parecer completamente distintas.

“Asher ergueu os olhos e observou as estrelas novamente. Não era justo que um céu tão iluminado como aquele estivesse brilhando acima deles quando havia tanta gente que perdera tanto. Mas o céu não presta a menor atenção às coisas que acontecem conosco, sejam elas alegres ou tristes.”

Entre a rotina do trabalho, os medos e anseios de um adulto parecem, para uma criança de oito anos, pequenos demais. Já para Asher, são a razão de temer cada dia e de querer aproveitar cada segundo de sua existência, da companhia do pequeno Justin.

Assim, vivemos os dias em Key West junto a Asher e Justin, em busca de respostas, mesmo que em dados momentos não tenhamos sequer as perguntas. Buscamos entender todos os lados, os pensamentos, crenças e ideologias. É impossível não repudiar várias ações dos personagens, não tomar partido de um lado ou de outro, dizer que um ou outro estão errados, ou que todos estão. E é exatamente no desenvolver da trama que percebemos o quanto é fácil revestir uma ou outra pessoa de herói ou vilão, em como um simples fato pode parecer definir toda a pessoa, quando, na verdade, não define. A questão é que ninguém se resume à um nome, idade ou à sua orientação sexual. E menos ainda, ninguém se define por um erro ou por um acerto.

Sem dúvidas Rumo ao Sul foi um livro de surpresas calmas, lido em dois dias porque a história pedia para ser conhecida, ouvida, compreendida. Não por haver um grande mistério ou suspense envolvido, mas porque o ritmo da narrativa, dos acontecimentos, das descobertas, das incertezas, pede que se viva os dias dos personagens mais rápido do que se vive o próprio. Mas não se engane, ainda há sim um quê de surpresa inquietante na trama.

Um dos pontos que mais encantou na história foi a discussão sobre religião e crença que existe embutida em todas as partes que dividem a história: Parte 1 Você, Mãe; Parte 2 Caminho Livre, Parte 3 Canção para Uma Gaivota e Parte 4 Os Últimos Dias. Isso porque ela está entremeada à trama, cheia de reflexões e questionamentos, bem mais do que respostas e ditados. Não sou fã de leituras que se direcionam à defender um posicionamento religioso de maneira impositiva, mas gosto de livros com viés que discutam a religião e a crença das pessoas e seus pontos altos e baixos. E Rumo ao Sul é exatamente assim, um livro para questionar tanto os personagens como a si mesmo.

“Justin costumava pensar que as árvores eram Deus. Mas agora, ali, ele acha que o oceano talvez seja Deus. Toda aquela força e fraqueza estendendo-se diante de nós. O oceano pode fazer tanta coisa quando quer, e às vezes pode ficar sem fazer nada além de ir e vir, formando ondas ou mantendo a calmaria. O oceano é um mistério, como Deus. Ambos são tão grandes que nunca podemos ver tudo ao mesmo tempo, mas podemos captar pedaços aqui e ali. Justin acredita que Deus é tão grande quanto o oceano. Até maior.”

Acima de tudo, a história mostra o quanto é fácil cair em erros quando se defende o que se julga certo. É sempre mais cômodo julgar os erros alheios, o difícil é reconhecer aqueles que cometemos. E, errados, todos estão(mos) em algum momento: é tentador julgar o pecador e não o pecado, como diria o próprio Asher. É essa uma das belezas de Rumo ao Sul, não há vilões e heróis, não há bem versus o mal, existem pessoas, falhas, incompletas que buscam o que desejam e o que acreditam da maneira que conhecem.

É claro que muitas atitudes são extremas e até criminosas, e o fato não é julgar quem levou quem a fazer o quê e sim toda a construção de descoberta, perdão, razão, fé, amor, família e respeito ao próximo pelas quais os personagens trilham. Não há mudança que ocorra da noite para o dia. Sejam quais forem as alterações no modo de pensar e agir dos personagens, elas vêm de uma construção, da quebra paulatina de paradigmas os quais cada um deles é submetido.

Rumo ao Sul é uma história para inspirar, fazer crer em um mundo melhor através de pessoas melhores. É uma jornada para a autodescoberta, tanto dos personagens quanto do leitor! Uma leitura que, sem dúvidas, recomendo!

O livro foi recebido em parceria com a Editora Faro e traz uma edição especial, com páginas diferenciadas destacando cada parte do livro e o papel amarelado de uma gramatura excelente e que ainda deixa o exemplar super leve!

“Só recentemente percebera que os livros podiam dar asas às pessoas.”

Publicado em: 29/03/2019

3 Comentários

  1. Marina Mafra29 mar, 2019Responder

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