Sinopse:
Ao acompanhar uma linhagem de mulheres indomáveis, A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas reconta de forma feminina e nada usual a história do Brasil, compondo um retrato fiel através dos pequenos – e ao mesmo tempo mais emblemáticos – detalhes de sua sociedade. As mulheres de Maria José Silveira sobreviveram à exploração desenfreada do pau-brasil, da cana-de-açúcar e do ouro, à dominação e à opressão não apenas dos colonizadores e das ditaduras, mas também de seus parceiros, maridos e amantes. A história se desenlaça por mais de quinhentos anos até chegar à sua última descendente, nascida no início do século XXI, que vai de encontro a um futuro de luz e sombra, de problemas crônicos e grandes esperanças. Um retrato fiel das mulheres brasileiras, que, em todas as suas diferenças, podem ser descritas de diversas formas, menos como frágeis e submissas. – Harvard Review
“Melancolia e tristeza eram sentimentos que provocavam profundo desagrado entre os nativos. Os deuses eram benignos, e a ideia de uma vida depois da morte era de um jardim florido onde cantariam, dançariam e pulariam ao lado dos antepassados.” (Página 19)
Romance Histórico está entre os gêneros literários que mais aprecio. Nada melhor que uma ficção ambientada num contexto real, em outra época, ainda mais aqueles que nos remetem a algo que fez parte da nossa própria história.
Confesso que em minha vida literária poucos foram os romances históricos brasileiros que li – na verdade a maioria o fiz para trabalhos do colégio. [Não sei vocês, mas a obrigatoriedade me tirava todo o prazer da leitura.]
O livro que apresento neste post é como uma aula de História do Brasil – tipo a aula daquele (a) professor (a) que a gente adora – e também um dos mais interessantes, com uma proposta fascinante e de muita personalidade.
“(…) ela era o tipo de mãe que jamais pretendeu governar a vida dos filhos; na verdade, achava que tudo era possível, tudo era natural, tudo tinha seu direito de acontecer sob o sol, crença que, certamente, teve muito a ver com sua longevidade.” (Página 201)
Com personagens bem marcantes e uma escrita que sensibiliza, Maria José Silveira nos presenteia com a história de vinte gerações de mulheres de uma mesma família durante cinco séculos. Dentro da trama há um narrador cuja identidade só foi possível descobrir nos momentos finais, assim como a quem ele dirige a narrativa, e essa revelação trouxe algo bem mais significativo para o enredo.
Tudo começa com o nascimento da tupiniquim Inaiá no ano de 1500, quando o Brasil foi invadido, ocupado e explorado. A saga das mulheres que sucederam Inaiá perpassa o período colonial, segue através do Império e do período republicano, chegando aos anos 2000, com a jovem carioca Amanda.
Índias, negras, brancas, miscigenadas. Mulheres que viveram as mais variadas situações, cada uma com sua particularidade, refletindo a mentalidade de sua época. Nem sempre o narrador conta uma história feliz – algumas inclusive foram bem trágicas, mas todas elas são reconhecidas por seu importante papel na família.
“Você, meu bem, como todo mundo, aliás, só que um pouco mais, traz consigo o poder de provocar dor ou alegria. Isso, muitas vezes, não depende da gente. Depende dos olhos de quem nos vê, e nesses casos muito pouco se pode fazer a respeito. Mas uma coisa, sim, você pode fazer, e é algo que depende só de você: escolher o que mais quer provocar em sua vida, se é mais a dor ou mais a alegria.” (Página 214)
O que torna esse livro extraordinário é o fato de a mulher ter sido inserida como agente participativo e de extrema importância na construção da história do nosso país, contrariando todos esses séculos de uma mentalidade machista e misógina. Embora a obra tenha claramente esse aspecto feminista, ele não é de modo algum exacerbado.
Além disso, o narrador faz algumas reflexões e questionamentos sobre vários assuntos e situações, estimulando o leitor a pensar junto e tirar suas próprias conclusões.
Como um bom romance histórico deve ser – e diferente de uma aula ou livro sobre História do Brasil, ao contar a extraordinária jornada dessas mulheres, a autora não se atém a datas e fatos históricos propriamente ditos (como aqueles marcados no calendário). Entretanto é possível perceber, através da narrativa, a época exata em que determinada situação ocorre por meio do imaginário dos povos originalmente brasileiros, das reflexões sobre a situação dos escravos, do espírito revolucionário do seu povo, entre tantas outras coisas que nos mostram os aspectos de uma sociedade em construção e como ela foi moldada ao longo dos séculos.
“A Mãe da Mãe de sua Mãe e suas Filhas” é um livro realmente marcante, revolucionário, instrutivo e com uma linguagem maravilhosa que o tornou uma delícia de ler. Super indico!
“A hora está próxima.
Seu código genético já está processando suas informações, e as proteínas que formarão suas lembranças inexplicáveis começaram a se reproduzir, essas lembranças que alimentei em você nesses nove meses. É parte do meu papel de placenta. Assim, as longínquas memórias do tempo continuarão a viver em você e em seus filhos.” (Página 311)