Recursão

Blake Crouch

Editora: Intrínseca

Páginas: 320

Ano: 2019

Sinopse:

E se um dia memórias vívidas se infiltrassem em sua mente, pintando em tons de cinza todas as suas certezas? As pessoas que você ama não fazem mais parte da sua vida, agora você tem outro cônjuge, outros filhos, ou está sozinho. Tudo mudou. E o que você tinha de mais importante foi arrancado da sua existência, levando junto sua sanidade. É dessa premissa que Blake Crouch parte para contar a história de Barry Sutton e Helena Smith. Quando nada é mais importante que a memória, perdê-la significa perder a si mesmo. Barry é um policial em Nova York que convive com a tristeza e a ausência da filha, morta em um atropelamento. As lembranças de uma vida feliz o assombram por anos. Sem alternativas diante da dor, seu casamento chega ao fim. Mas se Meghan não tivesse morrido, sua vida seria diferente? Ao ser acionado para intervir em uma tentativa de suicídio, ele se depara com uma mulher que sofre da Síndrome da Falsa Memória, uma doença misteriosa que planta na cabeça de suas vítimas lembranças de vidas que elas nunca tiveram. Barry entende, então, que se lembrar de algo que não viveu pode ser ainda pior. A neurocientista Helena Smith está desenvolvendo uma tecnologia para a cura do Alzheimer. A cada semana, mais lembranças se apagam da mente de sua mãe e, aos poucos, é como se Helena a perdesse para sempre. Inesperadamente, ela é abordada por um dos homens mais ricos do mundo, que se oferece para financiar sua pesquisa de retenção de memórias. Helena vê surgir a chance de proporcionar um grande bem para a humanidade: a cura do Alzheimer e, quem sabe, da síndrome que assola o mundo. No entanto, não poderia estar mais enganada... A tecnologia que deveria salvar vidas acelera a marcha galopante do caos, gerando uma guerra pelo poder e criando recursos que começam a esfacelar a realidade. O tempo não é mais como o conhecemos, e Barry e Helena terão de se unir se quiserem sobreviver - e salvar a todos nós. Em Recursão, Blake Crouch constrói uma jornada desnorteante, com personagens complexos, que nos fazem refletir sobre nossa existência e nossa identidade. Uma trama intrincada, ágil, e sem dúvidas emocionante, que mostra o poder que cerca a tecnologia ao manipular algo tão definidor como a memória e as consequências de um progresso a qualquer custo para os indivíduos e a sociedade.

Recursão. Ação de recorrer, reajustar. Processo de repetição de um objeto de modo similar ao que já fora mostrado. Método de resolução de problema em subproblemas até chegar a um problema que possa ser resolvido com facilidade.

Imagine se lembrar de uma vida que não é a sua. Mas que parece que é, até nos mínimos detalhes. Isso é o fenômeno, ou doença, chamada de Síndrome da Falsa Memória (SFM), inexplicável para especialistas, mas responsável pelo aumento exponencial de suicídios.

Todas as minhas lembranças daquela vida são em tons de cinza, como cenas de um filme noir. Parecem reais, mas são assombradas, lembranças-fantasmas.

2018. O detetive Barry Sutton pode não ser especialista em SFM, mas isso não significa que a realidade daqueles que possuem a doença não esteja à sua volta. Além disso, um caso de suicídio de uma mulher com SFM parece levar à pistas estranhas e suspeitas. Detalhes que irão tirar sua vida do prumo.

Em outra linha do tempo, em 2007, conhecemos Helena Smith, uma neurocientista fascinada pela memória e disposta a usar sua vida e carreira para descobrir a cura para o Alzheimer. Isso se fosse possível conseguir que alguma instituição lhe dê fundos e suporte, o que anda bem difícil, até o momento em que ela recebe uma proposta sigilosa, mas com recursos infindáveis. Helena pode não saber, mas está prestes a dar um passo que vai mudar não apenas sua vida, mas o destino de todo o mundo.

Quero encontrar um meio de armazenar lembranças de cérebros em declínio, que já não podem mais acessá-las. Uma cápsula do tempo para nossas memórias mais importantes.

Imagine uma história em que tudo o que os personagens vivem pode ser alterado a qualquer instante. Em que tudo pode ser subjetivo e que as leis da física são facilmente manipuladas e quebradas. Se veio à mente a ideia de um sci-fi, bem, é exatamente o caso de Recursão. O livro leva alguns conceitos básicos aos quais já estamos acostumados a ver quando se trata do tempo, mas, de maneira diferenciada, traz novas concepções que dão não apenas motor à história, como também margem para levá-la à rumos menos explorados.

Na base de tudo: a memória. O quanto dela é responsável por quem somos? Se a perdemos, deixamos de ser nós mesmos? Se elas se alterarem, nos tornamos alguém diferente? Se vermos como as coisas poderiam ter sido diferentes, o quanto a atual realidade seria suportável?

Fisicamente, uma lembrança não passa de uma combinação específica de impulsos nervosos, uma sinfonia de atividade cerebral. Mas, na verdade, é o filtro que se coloca entre nós e a realidade.

A história se desbrava entre duas linhas do tempo, enquanto a vida de Barry se submete às consequências do caso de suicídio em que trabalhou, Helena avança dia após dia em suas pesquisas. Um avanço que irá colocá-la como a mente mais brilhante do mundo. Uma criação que está além do que ela esperava, capaz de iniciar uma Terceira Guerra Mundial. Isso até as linhas do tempo se unirem e a chance de fazer com o que o mundo não se destrua lhes seja dada. Uma única chance que, na verdade, pode se repetir infinitas vezes.

Falar dessa leitura é falar sobre como um livro que envolve temas de física quântica (adicionada com um pouco de viagem na maionese, é verdade), pode trazer questionamentos tão válidos e atemporais.

Nos últimos tempos, ele vem se perguntando se a vida não se resume a uma longa despedida daqueles que amamos.

Como pano de fundo temos o mal de Alzheimer, que devora a memória de seu portador como se torrasse aos poucos o disco rígido do computador. O que foi, é impossível de ser regatado, mas será que, por isso, deixamos de ser nós mesmos!? Talvez a resposta seja mais emblemática do que possamos arquitetar sem uma devida tese de doutorado, mas a certeza é de que o livro nos faz pensar muito sobre isso. Se pudéssemos reescrever nossa história, com novas escolhas e novas memórias, o que faríamos? Ou o que o mundo faria se pudesse reescrever um ou outro pedaço de sua história?

A ideia de ciclo aqui, tanto da vida, quanto dos personagens, é inevitável. O que aconteceu não faz parte do passado, tampouco como o agora é presente e o depois, futuro. Tudo acontece, tudo é, tudo existe e permanece de uma maneira que não tem começo, meio ou fim.

Se não pudermos confiar na nossa memória, será o fim da espécie humana. E esse fim já começou.

A narrativa do autor é ágil e, confesso, as 300 e poucas páginas de Recursão me levaram madrugada adentro sem interrupções, dada a necessidade de saber como seria seu desenrolar. A história se divide em cinco livros mais epílogo e, apesar de seguir um lado romântico um tanto quanto mais aflorado da metade para a frente, se mantém fiel aos personagens criados e à proposta original, sendo o romance em questão, justificado pelo necessário deslanchar do auge da história.

O livro ainda me levou a fazer associações com vários filmes que tratam da temática do tempo, como X-Men: dias de um futuro esquecido (a permanência do fato é diferente, mas a forma de viagem é bem semelhante); Exterminador do Futuro (o fato de voltar e mudar, e voltar e mudar e voltar e mudar…); A Chegada (ok, não temos ET’s em Recursão, mas a concepção de tempo é bem próxima); e um quê de The OA (com os tanques imersivos e o que rola neles. Só uma ressalva que eu só vi uns episódios da primeira temporada… ehehe). Sem contar a citação de Matadouro Cinco que tem no Livro Cinco e que me fez relacionar alguns detalhes da história e do modo como o tempo é visto (ou não visto).

Uma leitura intensa, reflexiva e questionadora. Recursão traz dúvidas elementares da humanidade para um aspecto ficcional de uma maneira que nos leva a crer que, cada parte do imutável, é mutável, tanto quanto que o tempo e nossa percepção dele, não passa daquilo do que somos feitos. De nossas memórias, sejam elas verdadeiras ou falsas.

Publicado em: 05/02/2020

4 Comentários

  1. Marina Mafra05 fev, 2020Responder
  2. Taize Lima05 fev, 2020Responder

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