Sinopse:
Ao receber a notícia da morte de seu pai Olaf, um ex-soldado alemão refugiado no Brasil, Hugo Seemann viaja à Serra Gaúcha para cuidar do funeral. Contudo, o que parecia ser uma mera formalidade de despedida a um pai que nunca conhecera de verdade, torna-se uma jornada ao passado e aos horrores da Alemanha nazista. Durante o funeral, Hugo recebe a visita da jovem Valesca Proença, que lhe mostra uma carta enviada por Olaf à sua mãe, contendo estranhas revelações que contradizem tudo o que achavam que sabiam a respeito de seus respectivos pais. Buscando desvendar esses antigos segredos há muito enterrados, eles partem para Colônia, onde descobrirão suas origens e o passado sombrio de Olaf. Uma trama envolvendo amizades, traição, morte, amor e milagres que uma obscura organização surgida na época do terceiro reich fará de tudo para manter em segredo, na intenção de encobrir a verdadeira identidade sobre uma criança conhecida somente como... A filha do reich.
“– Acho que se enterramos a história – eu disse – também deixamos de compreender por que somos como somos, e de poder planejar para onde vamos.” (Página 224)
A história da humanidade é fascinante e a importância de se aprender sobre ela é incalculável. Entretanto, alguns fatos são difíceis de visitar. As Grandes Guerras, por exemplo. Quem me conhece sabe que essa temática costuma me repelir, mas li tramas tão interessantes ultimamente, que me vejo desejando ler mais.
A Filha do Reich de autoria do Paulo Stucchi foi uma adição muito bem vinda à minha coleção, especialmente por trazer em seu enredo algo diferente do que comumente se vê em livros com histórias ambientadas na Segunda Guerra Mundial. Por essa razão, decidi trazê-lo como dica aqui no Resenhando e o indicarei sempre, para qualquer pessoa, em qualquer espaço. Que livro, meus caros!
“Aceitar a morte com honradez é infinitamente melhor do que se apegar à vida com vergonha.” (Página 132)
Hugo Seemann e seu pai, Olaf, nunca foram muito próximos. O filho sempre se sentiu rejeitado e jamais entendeu como a relação do pai com Deus parecia ser mais importante do que com a própria família. Desde a morte da mãe, Hugo se afastou cada vez mais de Olaf, mas como todo bom filho, e independente de suas diferenças, cuidou para que houvesse alguém prestando assistência ao seu velho pai.
Foi com grande incômodo que Hugo recebeu a notícia da morte desse homem que lhe fora um estranho durante toda sua vida. Então viaja para o Sul, onde vivia o pai. Após o sepultamento, Hugo remexe nas coisas de Olaf e se depara com algo deixado para ele. Uma carta e um caderno, cujo objetivo do pai era que o filho conhecesse e entendesse sua natureza distante e sombria. Além disso, pede que ele encontre alguém que foi muito importante em sua vida. Existe uma segunda carta que ele insiste que deve ser entregue a ela.
“A pior prisão é aquela que construímos em nosso íntimo. E, quando nos trancamos nela, jogamos a chave fora. Não há volta.” (Página 189)
Olaf era alemão e foi soldado durante a Segunda Guerra Mundial, tendo servido no Campo de Trabalhos Forçados de Plaszow, Cracóvia. A pessoa mencionada na carta trata-se de uma judia, prisioneira em Plaszow, com quem viveu uma experiência que ultrapassa os limites do nosso entendimento. No caderno, Olaf conta toda sua trajetória enquanto soldado, os horrores de que foi testemunha naquela época, bem como sobre o milagre chamado Mariele Goldberg.
Conhecer a história do pai através dos escritos e a busca por Mariele colocam Hugo na mira de uma organização nazista que atua desde a Guerra para que segredos relacionados a esta mulher, entre outras coisas, sejam mantidos. A vida do nosso protagonista vira de ponta à cabeça, mas mesmo em meio a ameaças e perseguições, Hugo parte para Colônia na Alemanha, em busca de respostas.
“Por duas ou três vezes voltei a ser convocado para os intermináveis fuzilamentos. Porém, a vontade de chorar, gritar, diante das vidas que eu tirava, havia passado. Agora, restava apenas uma carcaça oca, pobre, coberta pelo manto do exército do Terceiro Reich, manto este que, desde menino, eu aprendera ser sagrado e que, agora, impregnava minha pele com o que havia de mais podre.” (Página 149)
A história é narrada por Hugo anos após os acontecimentos resumidos acima. O conteúdo do caderno deixado por seu pai nos mostra desde o motivo de ele ter entrado para a Juventude Hitlerista, perpassa pela desilusão com os ideais nazistas e as coisas importantes que foram se perdendo durante o período em que esteve em campo, as transformações que foram acontecendo internamente com o Olaf, até o momento em que ele foge da Guerra e consegue refúgio no Brasil. Inclusive esse é um dos pontos mais interessantes, quando o autor mostra a vinda dos alemães para nosso país e a adaptação do ex-soldado em uma nova nação, bem como o fato de que, neste lugar, não havia distinção entre os estrangeiros que chegavam.
O relato do Olaf representa os momentos difíceis para mim durante a leitura. Ele descreve cada acontecimento em campo de maneira tão vívida que foi preciso eu dar uma pausa vez ou outra. É muito complicado pensar no quanto o ser humano pode ser cruel e nas inúmeras atrocidades cometidas, em tantas vidas perdidas. Já a Mariele representa o oposto disso. Gosto de pensar na existência de pessoas como ela, que conseguem enxergar luz mesmo nas situações mais extremas. Grande personagem!
Como eu disse antes, este livro traz algo diferente em sua trama que o torna mais instigante ao leitor. Algo que eu, particularmente, não vi em outras obras. Ele traz muito forte a questão da fé em Deus, da crença em milagres e do fascínio do ocultismo da época. Além disso, foi muito bacana ver a transformação do protagonista à medida que ele vai conhecendo a história do pai, afinal, ele vai descobrindo, também, as suas origens. Um processo de autoconhecimento muito bem costurado e que nos leva a muitas reflexões.
Enredo muito rico, narrado de forma totalmente envolvente. Nos prende à leitura e nos dá vontade de falar, falar e falar sobre a história assim que ela termina. Simplesmente fascinante!
“(…) Acho que a redenção se encontra justamente aí. Na capacidade de nos perdoarmos, de enxergarmos nosso passado com outros olhos.” (Página 413)