O FUNDO É APENAS O COMEÇO

Neal Shusterman

Editora: Valentina

Páginas: 272

Ano: 2018

Sinopse:

Uma poderosa jornada da mente humana, um mergulho profundo nas águas da doença mental. CADEN BOSCH está a bordo de um navio que ruma ao ponto mais remoto da Terra: Challenger Deep, uma depressão marinha situada a sudoeste da Fossa das Marianas. CADEN BOSCH é um aluno brilhante do ensino médio, cujos amigos estão começando a notar seu comportamento estranho. CADEN BOSCH é designado o artista de plantão do navio, para documentar a viagem com desenhos. CADEN BOSCH finge entrar para a equipe de corrida da escola, mas na verdade passa os dias caminhando quilômetros, absorto em pensamentos. CADEN BOSCH está dividido entre sua lealdade ao capitão e a tentação de se amotinar. CADEN BOSCH está dilacerado. Cativante e poderoso, O Fundo é Apenas o Começo é um romance que permanece muito além da última página, um pungente tour de force de um dos mais admirados autores contemporâneos da ficção jovem adulta.

“As coisas que sinto não podem ser traduzidas em palavras, ou, se podem, são palavras numa língua que ninguém pode compreender. Minhas emoções têm o dom bíblico de falar em idiomas desconhecidos.”

(Página 13)

Essa foi, sem dúvida, uma das melhores e mais difíceis leituras que fiz em 2018.

A resenha demorou a sair porque é bem complicado falar de um assunto que não se domina, embora na vida real eu tenha visto de perto um pouco – bem pouco mesmo – do que o nosso psicológico é capaz.

O Fundo é Apenas o Começo do premiado autor Neal Shusterman me arremessou dentro da mente caótica de um jovem transtornado, tornando a experiência da leitura completamente nova e difícil de colocar no papel. “Sentir na pele” a história nunca foi tão intenso.

“O que acontece quando o seu universo começa a sair do ponto de equilíbrio e você não tem a menor noção em reconduzi-lo ao centro? Só pode dar murro em ponta de faca, esperando que as paredes desmoronem e a sua vida se torne um grande cinzeiro misterioso.”

(Página 31)

A trama gira em torno de Caden Bosch. O garoto acabou de completar quinze anos e sua vida é como a de qualquer jovem, com uma rotina familiar e estudantil bem comum. Até Caden perceber que algo não está certo. Sua mente passa a lhe pregar peças difíceis de encaixar, tornando aquela rotina comum um verdadeiro caos.

Inicialmente, uma mania de perseguição. Acredita que alguém no colégio lhe observa e tem o intuito de lhe matar. Tem sonhos estranhos envolvendo uma “Cozinha de Plástico Branco” com monstros disfarçados de humanos. Ninguém é confiável: nem mesmo seus melhores amigos, Max e Shelby, sua irmã, Mackenzie, ou seus pais.

Caden começa a sentir tudo com uma intensidade difícil de expressar. Sua mente está cheia demais, parece querer transbordar, e caminhar por quilômetros sem destino é meio que uma maneira de aliviar esses pensamentos. Mas, na real, alívio é algo cada vez mais distante.

Caden é prisioneiro de sua própria mente.

“O que está acontecendo? Estou no último banco do vagão numa montanha-russa no alto da subida, vendo os passageiros da frente se renderem à gravidade. Escuto seus gritos, e sei que só faltam alguns segundos para o meu. Estou naquele momento em que se ouvem os rangidos altos do equipamento de aterrissagem do avião, o instante que antecede a voz da razão dizendo que é só o equipamento de aterrissagem. Estou saltando de um penhasco apenas para descobrir que posso voar… e então perceber que não há lugar algum para pousar. Nem jamais haverá. É isso que está acontecendo.”

(Página 73)

A narrativa nos leva a acompanhar tudo o que o protagonista vive na vida real e o que acontece em sua mente transtornada. Desde os sonhos e as alucinações, a percepção dos pais quanto ao seu comportamento, as crises de pânico, até o momento em que é levado a um hospital psiquiátrico para que inicie uma série de terapias.

O início da leitura, especialmente, foi bem difícil de acompanhar, pois o protagonista não consegue, na maioria das vezes, separar o que é real do que não é.

E há uma viagem em alto mar, que vai acontecendo e somente no meio da trama é que o leitor tem uma visão mais clara sobre o que ela significa.

“— A moral da história é que não devemos nos libertar dos nossos monstros. Não, devemos abandonar tudo no mundo, menos eles. Devemos alimentá-los tanto quanto lutar com eles, submetendo-nos à solidão e à infelicidade sem qualquer esperança de fuga.”

(Página 125)

O autor traz uma proposta de texto inovadora, onde ele não fala sobre uma doença de maneira técnica (o que é, quais os sintomas, como é feito o diagnóstico). Quem já leu algo a respeito de doenças da mente, observando o comportamento de Caden e tudo o que ele imagina, consegue sacar de cara que pode se tratar de um esquizofrênico. Neal Shusterman nos transporta para dentro da mente desse jovem, levando-nos a conhecer de maneira mais íntima como a coisa funciona.

Foi uma leitura bem intensa, que trouxe sensações difíceis de descrever. Ao mesmo tempo foi muito rica. É uma trama que te leva a mudar de perspectiva quando o assunto é pessoa que vive a condição de doente mental. Mexe com o preconceito que a maioria tem a respeito disso e nos faz perceber o quanto somos ignorantes sobre a grandiosidade e o poder desse mundo desconhecido – o inconsciente.

“Há muitas coisas que não entendo, mas de uma tenho certeza absoluta: não existe um diagnóstico “correto”, somente sintomas e nomes para conjuntos de sintomas.

(…) Os rótulos não significam nada, porque não existem dois casos idênticos.

(…) No entanto, a raça humana adora compartimentos. Queremos tudo na vida arrumado em caixinhas que podemos etiquetar. Mas o fato de termos a capacidade de etiqueta-las não significa que saibamos o que está dentro delas.”

(Página 255)

O Fundo é Apenas o Começo não foi algo escrito ao acaso. O autor explica em sua nota que o seu filho, Brendan Shusterman, assim como Caden, viveu o lado mais obscuro da mente. Ele nos brinda com a arte que ilustra muito bem a confusão mental do protagonista durante a leitura.

A Editora Valentina acertou em cheio ao trazer algo bem inovador, instigante e perturbador.

Abaixo, um pedacinho das ilustras feitas por Brendan presentes no livro.

Até a próxima!

Publicado em: 04/12/2018

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