Sinopse:
Uma fábula simbólica e obscura, como a própria autora o define, este texto foi escrito quando Sylvia Plath completava vinte anos e permaneceu inédito desde então. Mary Ventura e o nono reino se passa durante uma viagem de trem, e nele estão contidos os dilemas da entrada na vida adulta e o momento em que se assume o controle do próprio destino. É um conto alegórico carregado de referências sutis, com a riqueza visual que define o estilo de sua autora.
“– Você sabe como são os trens. (…) Eles não esperam.” (Página 9)
Amadurecer implica a responsabilidade em fazer escolhas. Escolhas nos levam a um destino incerto, e nem sempre temos a segurança necessária para fazê-las. É um processo um tanto complexo, mas todos nós passamos por este ciclo e algumas fases podem ser bem difíceis. Mais para alguns que para outros.
Em A Redoma de Vidro [clique aqui e confira resenha], Sylvia Plath nos mostrou como para a protagonista Esther essa jornada era dolorosa. Quando o único romance da autora foi publicado, Plath tinha 30 anos, mas aos 20 ela já expressava dúvidas e receios quanto ao que fazer quando tomamos as rédeas da nossa própria vida.
“(…) – Mãe, eu não posso partir hoje. De jeito nenhum. Ainda não estou pronta para fazer essa viagem.
(…) – Seja uma boa menina. (…) Será uma viagem tranquila. A hora da partida chega para todos. Mais cedo ou mais tarde, todos vão embora.” (Páginas 10-11)
Mary Ventura está prestes a fazer uma viagem, mas não se sente pronta. Apesar dos seus protestos, os pais a incentivam a fazê-la de qualquer jeito. Sem saber o destino do trem – apenas que ruma para o Norte – a moça embarca cheia de incertezas, embora esteja curiosa sobre o que a espera.
Há uma mulher misteriosa, porém muito simpática, que ocupa o assento ao seu lado e acaba sendo uma companhia agradável durante o trajeto. As falas que compartilha são cheias de enigmas e, às vezes, confundem nossa protagonista.
À medida que o trem avança, Mary observa a paisagem por vezes sombria do percurso e, aos poucos, começa a perceber algumas situações e aspectos estranhos relacionados a esta viagem. Então Mary é tomada pelo pânico e pela necessidade urgente de interrompê-la antes de chegar à última estação.
“(…) – Lembre-se de que você paga por tudo isso. Você paga a conta no final. O negócio deles é transformar a viagem em algo atraente. O interesse da companhia de trens vai além da simpatia.” (Página 26)
Mary Ventura e o Nono Reino é um conto onde a temática gira em torno de tudo aquilo que precisamos enfrentar quando atingimos a maturidade. Plath era estudante na época em que o escreveu e, pela primeira vez, é publicado aqui no Brasil.
Confesso que, inicialmente, eu achava que a autora se referia à morte nesta história, considerando que esse era um tema delicado para ela, que não superou totalmente a perda do pai quando ainda era uma criança. Entretanto, à medida que a narrativa corre, nos damos conta de que a “viagem” nada mais é do que a jornada que precisamos percorrer, as escolhas que somos levados a fazer e as mudanças de perspectiva que ocorrem quando passamos a enxergar com maior clareza as situações vividas.
Eu já havia amado a escrita dela e sua profundidade contida em A Redoma de Vidro. Este conto veio apenas para me tornar mais fã ainda.
“– É, às vezes os passageiros ficam assustados. A famosa comichão da última hora. A consciência desperta tarde demais, então se arrependem da compra do bilhete. O arrependimento não ajuda em nada. Deveriam pensar melhor antes de fazer a viagem.” (Página 32)
Sylvia Plath viveu uma depressão profunda e tentou suicídio pela primeira vez depois de escrever este conto. Anos mais tarde, logo após a publicação do seu único romance, chegou às vias, de fato. Sua morte acabou sendo simbólica, visto que o romance em questão é considerado uma semi-biografia, onde a protagonista Esther viveu os mesmos dilemas e depressão da sua criadora.
Plath recebeu um Pulitzer póstumo no ano de 1982 – um dos maiores prêmios da literatura estadunidense – e suas obras são aclamadas até hoje.
Leitores, não passem pela vida sem conhecer a escrita belíssima desta autora incrível!