A bruxa não vai para a fogueira neste livro

Amanda Lovelace

Editora: Leya

Páginas: 208

Ano: 2018

Sinopse:

Aqueles que consideram “bruxa” um xingamento não poderiam estar mais enganados: bruxas são mulheres capazes de incendiar o mundo ao seu redor. Resgatando essa imagem ancestral da figura feminina naturalmente poderosa, independente e, agora, indestrutível, Amanda Lovelace aprofunda a combinação de contundência e lirismo que arrebatou leitores e marcou sua obra de estreia, "A princesa salva a si mesma neste livro", cujos poemas se dedicavam principalmente a temas como relacionamentos abusivos, crescimento pessoal e autoestima. Agora, em "A bruxa não vai para a fogueira neste livro", ela conclama a união das mulheres contra as mais variadas formas de violência e opressão. Ao lado de Rupi Kaur, de "Outros jeitos de usar a boca" e "O que o sol faz com as flores", Amanda é hoje um dos grandes nomes da nova poesia que surgiu nas redes sociais e, com linguagem direta e temática contemporânea, ganhou as ruas. Seu "A bruxa não vai para a fogueira neste livro" é mais do que uma obra escrita por uma mulher, sobre mulheres e para mulheres: trata-se de uma mensagem de ser humano para ser humano – um tijolo na construção de um mundo mais justo e igualitário.

    

Esta é uma história simples na qual as mulheres lutam contra a estrutura criada pelos homens, que permaneceu muito mais tempo do que devia. (Pág. 15)

Segundo livro da série “As mulheres tem uma espécie de magia”, de Amanda Lovelace, “A bruxa não vai para a fogueira neste livro” conseguiu me marcar ainda mais do que o primeiro (inclusive, tem resenha dele aqui!). Já no início do livro, a autora alerta sobre os conteúdos pesados do livro: Abuso físico, abuso psicológico, estupro, violência, e diversas outras questões que estão presentes na vida de grande parte das mulheres. Mais do que isso, Amanda fala sobre luta, “vingança”, empatia e força – e esses aspectos, presentes em todos os livros dela, são o que me fazem amar a série. Eu precisaria escrever uma resenha de páginas para tentar expressar o quanto eu me apaixonei pelos poemas da Amanda, mas eu imagino que poucos teriam paciência de ler até o fim, então vou sintetizar esse sentimento dizendo apenas: “Leiam esse livro!!!”

As mulheres aguentam porque não temos nenhuma outra opção – eles nos queriam fracas e nos obrigaram a ser fortes. (Pág. 53)

O livro é dividido em 4 partes: “O julgamento”; “A queima”; A tempestade de fogo”; e “As cinzas”. “O julgamento” fala sobre como, ao longo da história, as mulheres foram julgadas, condenadas, mortas e queimadas apenas por serem mulheres. Mais do que isso, fala sobre o legado de força e resistência que foi deixado por nossas ancestrais, e que preparou o terreno para que as mulheres conseguissem travar as batalhas diárias que ocorrem hoje. Nessa parte do livro, Amanda mostra que as mulheres aprenderam a se defender, que não aceitarão mais caladas, e que elas se uniram para lutar contra um mundo que está constantemente contra elas.

E com a mesma voz que usa para dizer que ama você, ele contará como sonhou em mata-la de diversas maneiras diferentes noite passada, & acordou desejando muito isso” (Pág. 90)

“A queima” é uma parte bem pesada do livro, que fala bastante sobre estupro e violência. Amanda retrata um sentimento muito comum entre nós, mulheres, que é o medo de ser violada (fisicamente e psicologicamente). A autora desmistifica a ideia que se tem sobre o estupro ser algo cometido por um homem visivelmente cruel em uma mata escura, e escancara uma realidade muito comum, mas também muito negligenciada: um estuprador pode ser o pai, o irmão, o tio, o avô, o pastor, o namorado/marido… e isso faz com que seja ainda mais difícil para a vítima denunciar –ela sabe que as chances de acreditarem nela são ainda mais baixas.

Talvez eu seja apenas uma pessoa reagindo racionalmente ao fato de as mulheres serem abusadas e desprezadas, que a sociedade, de alguma maneira, nos convenceu ser algo completamente normal. (Pág. 158)

“A tempestade de fogo” fala sobre a avalanche de imposições que é despejada em cima das mulheres antes mesmo de nascerem: ser magra, ser bonita, ser bem cuidada, ser educada, não falar palavrão, saber que sua função é agradar um homem, e se desculpar sempre, mesmo que você, mulher, não saiba o que possa ter feito de errado – spoiler: o seu único “erro” é ser mulher. Mas o livro também mostra que as mulheres têm recusado cada vez mais cumprir com essas obrigações: elas estão em um processo de libertação, com tochas nas mãos, prontas para “atear fogo” em quem tente impedi-las.

Eu sei tudo sobre a mulher que tem gritado a vida inteira pela chance de ser ouvida por alguém. (Pág. 169)

Finalmente, “As cinzas” mostram como as mortes, os gritos sufocados e o sangue de milhões de mulheres, fizeram com que a revolução finalmente começasse. Amanda sugere que essa revolução não será feita com uma vingança literal (com o sangue deles, com o grito deles), mas com a nossa própria dor. A autora pede e encoraja as mulheres que estão lendo seu livro a gritar o mais alto possível, a escrever os seus medos e suas dores, a contarem suas histórias e, principalmente, a apoiarem umas as outras.

Um grito/um pleito/um obrigada às mulheres que lutaram para manter nosso fogo vivo. (Pág. 180)

Não posso dizer que esse livro é um daqueles que deixa o nosso coração quentinho, porque não é. Amanda escreve de forma bem agressiva, colocando para fora todo o sofrimento causado pelo fato de ela ser mulher. Os temas são abordados de forma crua, sem nenhum filtro que torne a situação mais atenuante para quem lê. Mas acredito que essa seja justamente a intenção desse livro: fazer com que a gente se sinta desconfortável a ponto de perceber a importância de lutar contra tudo o que as mulheres têm sofrido ao longo dos séculos. Inclusive, Amanda faz referência a mulheres que decidiram lutar também, como Emma Sulkowicz, Margaret Atwood (por meio de sua obra fenomenal, “O conto da Aia”), e as mais de 3,3 milhões de mulheres que se uniram na Marcha das Mulheres, em 2017. Mas além dessas mulheres, Amanda nos lembra: ela, as bruxas queimadas, as crianças e mulheres estupradas/ agredidas/ humilhadas, eu e você (mulher que está lendo essa resenha) estamos todas juntas, umas pelas outras – e isso é lindo demais.

Publicado em: 18/05/2020

4 Comentários

  1. Marina Mafra21 maio, 2020Responder
  2. Gabriele20 ago, 2020Responder
    • Gabriele20 ago, 2020Responder
  3. Mariana Makluf24 ago, 2020Responder

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